Reservas dependem das novas gerações

Valor Econômico, Caderno Especial, p. F6 - 19/09/2014
Reservas dependem das novas gerações
Ao completar 25 anos, modelo criado para proteger florestas pede liderança dos mais jovens

Janice Kiss
Para o Valor, de São Paulo

Quando o meio ambiente ainda não constava entre os assuntos de relevância no país, as reservas extrativistas (Resex) foram criadas como um modelo de proteção para a Floresta Amazônica. Essas áreas pertencentes à União e que somam 89 unidades e 24 milhões de hectares, o equivalente a 5% do território desse bioma, completam 25 anos de existência em 2014 e buscam seguir a receita da preservação no lugar do corte da madeira e da abertura de áreas para pastagem. Trocar o desmatamento pela manutenção da floresta e sobrevivência por meio dela (extrativismo) foi o projeto idealizado por Chico Mendes, líder seringueiro morto em 1988.
A antropóloga Mary Allegretti acompanhou a criação dessas reservas que passaram a ser reguladas por lei (9.985) em 2000 - a Amazônia está entre os seus projetos de pesquisa desde a década de 70 - e avalia que se trata de um marco histórico no país. "É o resultado de um esforço coletivo de seringueiros [hoje chamados de extrativistas] que não tinham visibilidade ou poder, mas o firme propósito de enfrentar a derrubada da floresta", diz.
Segundo Allegretti, esses trabalhadores rurais provenientes do Nordeste chegaram à Amazônia para trabalhar na extração do látex em dois grandes fluxos migratórios: entre 1880 e 1920, no chamado "tempo dos seringais", e durante a Segunda Guerra Mundial (de 1939 a 1945) quando a borracha nacional passou a ser procurada para substituir a asiática, em razão da falta de acesso a esse mercado na época.
Duas décadas e meia depois, com uma diminuição de conflitos agrários entre extrativistas e fazendeiros, a pesquisadora analisa uma outra fase pela qual passam as reservas nos dias de hoje - a de que elas enfrentam o desafio da sucessão. "A continuidade do projeto depende das condições socioeconômicas para que a atual geração assuma a liderança desempenhada por seus pais e avós nas últimas décadas", afirma.
E os desafios não são poucos, segundo Allegretti. Eles passam pela dificuldade de acesso à educação e concretização do modelo econômico-sustentável, um dos alicerces dessas reservas. "Algumas delas têm mais facilidade para escoar seus produtos [farinha, castanha-do-brasil, sementes, frutos e óleos, entre outros] pela proximidade com as cidades ou por terem contrato com empresas. Mas isso não é o retrato de todas elas", informa.
Como incentivo, o governo federal criou há três anos o Bolsa Verde, um programa que garante R$ 300 por trimestre para famílias com renda per capita de até R$ 70 em troca da conservação dos ecossistemas. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA) 50 mil famílias foram atendidas por meio do programa até 2013, o que corresponde a um investimento de R$ 70 milhões. No fim do ano passado, o ministério anunciou que investirá R$ 712 milhões nessas áreas até 2016 distribuídos principalmente entre assistência técnica, extensão rural e o programa de garantia de preços mínimos de produtos extrativistas.
"Os desafios não são poucos, mas é necessário investir no modelo de preservação dessas reservas", avalia Virgílio Viana, que está à frente da superintendência-geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), uma ONG que há sete anos atua em 15 Unidades de Conservação (UCs) no Estado do Amazonas - nas quais estão incluídas as reservas extrativistas - em uma área de 10 milhões de hectares onde moram 8.900 famílias (distribuídas em 562 comunidades).
O principal trunfo da entidade é o Programa Bolsa Floresta (PBF), uma espécie de pagamento pelos serviços ambientais prestados pela comunidade (R$ 1.400 anuais por família) que, em contrapartida, se compromete a não desmatar e a não fazer uso de queimadas. Embora as reservas extrativistas tenham o compromisso da conservação ambiental, muitas vezes a pressão pela venda de madeira e criação de gado se tornam uma ameaça. O ICMBio, gestor das Unidades de Conservação no país, foi procurado para comentar o assunto, mas não retornou aos contatos da reportagem.
O apoio a reservas extrativistas como forma de preservar a floresta faz parte do trabalho da bióloga Adriana Moreira, especialista em meio ambiente do Banco Mundial. Há 14 anos, ela ocupa a função de gerente do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa) criado pelo banco em 2002.
Segundo ela, a meta é procurar alternativas de preservação sobre o desmatamento. Entre elas estão a criação de parques de conservação ambiental e áreas para uso sustentável, como as Resex, que contam com assistência em agricultura, extrativismo, prevenção e combate aos incêndios florestais para as comunidades.
Até 2018, quando o programa orçado em US$ 46 milhões chegar ao seu final, o Banco Mundial espera ter atingido sua meta de proteger 70 milhões de hectares.


Lógica do extrativismo deve mudar

Janice Kiss
De São Paulo

Há seis anos, Leônidas Farias preside a Organização das Associações da Reserva Tapajós-Arapiuns (Tapajoara) - em referência aos rios que banham a reserva - e se prepara para uma provável reeleição do cargo. Ele tem ciência da quantidade de trabalho que encontrará pela frente nessa área criada há 16 anos, que abrange 677 mil hectares, 73 comunidades (20 mil habitantes ao todo) e está situada entre os municípios de Santarém e Aveiro (PA). Mas na sua avaliação, nenhum é tão mais importante quanto preparar os jovens para o processo de sucessão nas lideranças da reserva. "É garantir a continuidade de muitas conquistas", afirma. E segundo Farias, elas não são poucas ao considerar que a reserva é a mais populosa de todas da Amazônia e com comunidades geograficamente distantes. A mais próxima de Santarém fica a duas horas de barco e a mais distante requer quase um dia inteiro (20 horas) de viagem.
A Tapajós- Arapiuns se uniu a uma rede de parceiras que garantem postos de saúde em comunidades maiores e "barcos de saúde" que trafegam pelos rios Tapajós e Arapiuns para atender as mais distantes. Conseguiu implantar saneamento básico, água potável por meio de poços artesianos - antigamente o acesso à água só ocorria por meio de rios e igarapés - escolas de ensino fundamental e médio, e cursos técnicos de extensão rural que Farias considera uma preciosidade. "Por meio deles, o profissional vai levar técnicas de manejos agroflorestais (sistema de produção em consórcio com a floresta), agricultura orgânica, criações de pequenos animais, como aves e suínos, para garantir as necessidades dos extrativistas", diz.
"O desafio dos sucessores é viabilizar esse modelo sustentável que foi traçado para as reservas extrativistas", diz Fábio Penha, coordenador de comunicação e educação do Projeto Saúde Alegria, que atua no Pará desde a década de 80. A instituição conhecida pelos programas ligados à saúde e educação também se dedica a um projeto de empreendedorismo juvenil. "Existe um grande potencial para a produção de borracha, sementes, óleos e essências", avalia. Para ele, a nova geração precisa mudar a lógica do extrativismo voltado apenas para a subsistência.
Mas para conseguir esse feito é preciso que essas áreas se tornem visíveis aos olhos do país. É o que vem tentando fazer os moradores da reserva Riozinho do Anfrísio, situada na Terra do Meio - área encravada no Pará e que recebe esse nome porque fica entrincheirada entre os rios Xingu e Iriri - nos últimos cinco anos. Conforme Marcelo Salazar, coordenador do escritório de Altamira (PA) do Instituto Socioambiental (ISA), a reserva conseguiu nesse período a instalação de escolas, uma unidade básica de saúde e o envolvimento dos jovens na gestão da reserva. Os produtos coletados para comércio nessas áreas são a castanha-do-brasil e o óleo das árvores copaíba e andiroba.
A história da Riozinho do Anfrísio não é feita só de superação. Criada pelo governo federal há dez anos, a área enfrentou inicialmente a invasão acentuada de madeireiros. "Há uma pressão sobre a área quando existem empreendimentos de grande porte [ele se refere à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte] ou o avanço da agropecuária", comenta o coordenador que há oito anos trabalha na Riozinho do Anfrísio.

Valor Econômico, 19/09/2014, Caderno Especial, p. F6

http://www.valor.com.br/agro/3702154/reservas-dependem-das-novas-geracoes

http://www.valor.com.br/agro/3702156/logica-do-extrativismo-deve-mudar
UC:Reserva Extrativista

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