Prefeitura tenta manobra para manter famílias em reserva ambiental em Petrópolis

O Globo - http://oglobo.globo.com/ - 23/08/2015
Imóveis estão dentro da Reserva Biológica do Tinguá, unidade federal que não permite qualquer tipo de ocupação


Do terraço de sua casa, Maria Antônia da Silva, de 61 anos, tem uma visão panorâmica e privilegiada de uma cadeia de montanhas verdes, só interrompida pela fenda que descortina a Baixada Fluminense, num horizonte distante. Uma dos 1.400 moradores da comunidade São João Batista, no bairro de Duarte da Silveira, em Petrópolis, Região Serrana do Rio, ela não quer nem pensar em ter que deixar o terreno que divide com outros 13 parentes, entre filhos e netos. Cercada por uma Mata Atlântica exuberante, a casa de Maria Antônia está dentro da Reserva Biológica (Rebio) do Tinguá, uma unidade de conservação federal que não permite qualquer tipo de ocupação.

O impasse existe desde maio de 1989 - quando a reserva foi criada -, mas ganhou fôlego na semana passada com um ofício da prefeitura de Petrópolis enviado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Nele, o município pede a permanência dos moradores e a exclusão da área das casas do mapa oficial da reserva. Por outro lado, tramita na 2ª Vara Federal de Petrópolis ação civil que atesta a incompatibilidade da ocupação com as características de proteção ambiental da área.

Maria Antônia teme perder a rotina pacata que conquistou. Ela fixou residência no ponto mais alto do morro há quase quatro décadas. Acostumou-se à vida em meio ao mato. Sua filha Gabriela, de 30 anos, resume o que é viver numa área privilegiada:

- Aqui é uma tranquilidade só. As crianças podem andar livres, sem medo. A gente ajuda o meio ambiente, planta árvores. Acho uma enorme injustiça tentarem nos tirar daqui. Só porque somos pobres?

CRESCIMENTO APÓS TRAGÉDIA

Os moradores dizem que as primeiras casas da comunidade São João Batista remontam ao início do século XX. Durante mais de 30 anos, até 1999, a comunidade teve que dividir as ladeiras com um grave passivo ambiental: o local foi um ponto de recebimento de toneladas de lixo de Petrópolis. O crescimento da ocupação se acelerou a partir do temporal de 1988, quando mais de 500 pessoas morreram somente na Cidade Imperial.

Como a localidade foi pouco afetada pelos deslizamentos, passou a ser vista como um porto seguro para muitos reconstruírem suas vidas. Até que, em 1989, um decreto do governo federal incluiu as casas na Rebio do Tinguá. A partir daquele momento, todas as moradias passaram a ser irregulares. Em uma reserva, não há como se conseguir, por exemplo, a titularidade do terreno.

- Os próprios moradores ajudam a preservar e a controlar o crescimento das casas. Desde 2007 não se constrói nada novo aqui - garante a líder comunitária Juraci de Castro, de 57 anos, nascida na São João Batista. - No ano passado, a direção do ICMBio garantiu que permaneceríamos. Mas a direção da Rebio é contrária à nossa permanência. Essa indecisão é ruim para todo mundo. As pessoas têm receio de investirem em melhorias nas casas e depois serem obrigadas a sair no dia seguinte.

Apesar do imbróglio, todas as 352 famílias afirmam pagar conta de luz, e algumas inclusive IPTU. Secretário de Meio Ambiente de Petrópolis, Almir Schmidt defende que a permanência dos moradores pode ser formalizada com um ato bastante trivial: a retirada de apenas dez hectares da área de 26.260 hectares da reserva.

- A comunidade representa apenas 0,038% do espaço total ocupado pela Rebio Tinguá. Algo absolutamente desprezível. Houve um equívoco quando a União fez a demarcação das terras. Queremos ter o direito de prestar serviços públicos a essa comunidade, melhorar o esgotamento sanitário, que hoje não existe - argumenta Almir Schmidt.

RISCO DE DESLIZAMENTOS

O diretor de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMBio, Sérgio Brant, contesta a informação de que as casas estão na comunidade São João Batista muito antes de a área passar a ser uma reserva biológica. Ele ressalta ainda que há imóveis em regiões com risco de deslizamento, e que a solução definitiva ainda está sendo estudada.

- Desafetar a área significa enviar uma proposta para o Congresso votar. Portanto, não é uma medida que cabe ao Poder Executivo. Estamos avaliando a forma menos traumática de resolver a questão. Simplesmente fechar os olhos e deixar as pessoas em área de risco não me parece a melhor opção. A Região Serrana já viveu tragédias recentes. A Rebio do Tinguá é uma das joias do Rio, uma área de manancial protegida desde o Império. Não é o trecho mais adequado para a fixação de uma comunidade - afirma Brant, negando que as ocupações sejam antigas. - As casas chegaram depois da Rebio.

O impasse ali não é novo, nem exclusivo. Conflitos de unidades de conservação com moradores existem até no Parque Nacional de Itatiaia, o mais antigo do Brasil, criado em 1937, mas que até hoje não recebeu dinheiro suficiente para regularizar suas terras, como ressalta o ambientalista Pedro Cunha e Menezes.

- Infelizmente, o poder público no Brasil, ao criar unidades de conservação de proteção integral, não destina recursos para desapropriar terras privadas e moradias previamente existentes - diz o ambientalista. - Há que se discutir esse drama da conservação de maneira integrada, inclusive com o Congresso e o Judiciário. Em tempos de grandes extinções e de crise hídrica, o tema é urgente e incontornável.



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UC:Reserva Biológica

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