ICMBio vai enviar plano de 'cinturão' em terra Yanomami

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ICMBio vai enviar plano de 'cinturão' em terra Yanomami
Mauro Pires, novo presidente do órgão, defende que reconstrução da agenda ambiental passa por contratação de pessoal e autonomia

Por Murillo Camarotto - Brasília
12/06/2023

A tragédia humanitária tornada pública no início do ano na terra indígena Yanomami poderia ter sido significativamente atenuada se projetos antigos de unidades de conservação na região tivessem avançado a contento. A conclusão de um "cinturão" em torno do território Yanomami é uma das prioridades do cientista social Mauro Oliveira Pires, anunciado há um mês como novo presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O plano para a terra indígena faz parte de um pacote com nove unidades de conservação que ele pretende tirar do papel nos próximos meses. A ideia é que algumas dessas novas áreas protejam as fronteiras dos Yanomami contra invasores. "Eles ficaram totalmente à mercê do tráfico e do garimpo. Fossem áreas administradas pelo ICMBio, haveria ali uma barreira natural, com fiscais trabalhando, acompanhando, inclusive junto com as lideranças indígenas", disse ele em entrevista ao Valor.

Escolhido após um longo processo seletivo, Pires assume uma autarquia que esteve perto da extinção. Durante o governo Jair Bolsonaro, foi amplamente estudada a incorporação do ICMBio pelo Ibama. Segundo o novo presidente, a missão, agora, é resgatar os valores que motivaram a criação do órgão, em 2007. "Nosso papel é obedecer a lei, e a lei é muito clara em dizer que o ICMBio é um órgão de proteção, mas é um órgão também de desenvolvimento sustentável das populações tradicionais."

Caminho árduo

O caminho, no entanto, promete ser árduo. A retomada das políticas tem esbarrado na escassez de pessoal e de recursos. Segundo Pires, o quadro de servidores efetivos caiu de 2,2 mil para pouco mais de 900. O orçamento também foi seriamente prejudicado, apesar de uma "brisa" conquistada durante a transição, no fim do ano passado. Além disso, joga contra a agenda a disputa política, que resultou recentemente na retirada de atribuições dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Originários.

Parte dessa disputa pode se dar em torno de grandes projetos de infraestrutura. O ICMBio está envolvido, por exemplo, no licenciamento da Ferrogrão, estrada de ferro considerada estratégica para o escoamento de grãos do Centro-Oeste. A pavimentação da BR-319 entre Manaus e Porto Velho é outro empreendimento sensível, tanto a unidades de conservação quanto a terras indígenas.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: O governo anterior considerou extinguir o ICMBio, cortou recursos e não repôs servidores. Qual a situação atual da autarquia em termos de orçamento e pessoal?

Mauro Pires: O ICMBio é um órgão relativamente novo. Qual é a situação que temos hoje? Temos um déficit de pessoal muito grande. O ICMBio já chegou a ter 2.200 servidores e hoje, na prática, está em torno de 950. Então, assim, em termos de pessoal, nós tivemos uma queda absurda. O que aconteceu é que no último ano começou a ser feito o primeiro concurso. No ano de 2022 e agora estamos pleiteando a convocação do cadastro de reserva deste concurso. Isso significa incrementar em 150 pessoas. Então, assim vai dar uma pequena brisa. E aí o passo seguinte é a gente fazer um concurso, aí sim para ampliar mesmo capacidade de ação, porque esse último concurso foi bastante limitado.

Valor: E orçamento?

Pires: Nós ainda estamos lidando com o orçamento que foi deixado [do governo anterior]. A diferença é que na transição de governo, quando a ministra Marina [Silva] estava lá dentro do grupo de trabalho, a gente conseguiu ampliar um pouco a nossa força e a capacidade orçamentária, mas não temos o orçamento que tivemos no passado.

Valor: À medida que o governo anuncia novas unidades de conservação (UC), como fez na semana passada, isso não pressiona automaticamente o ICMBio em termos de pessoal e recursos?

Pires: Obviamente que quanto maior o espaço você tem para cuidar, mais trabalho é, sem dúvida, mas é a nossa missão. O Brasil é um país que ainda precisa ampliar o número de unidades de conservação. Obviamente que, uma vez criada a unidade, a gente vai ter que fazer a implementação, portanto, precisaremos de mais recursos. Mas, se a gente tivesse uma atitude de dizer "não, já temos muita coisa para fazer e é melhor deixar do jeito que está", eu acho que seria um desserviço para com a sociedade atual e, sobretudo, com o futuro. A criação da UC é a melhor estratégia para levar à conservação da biodiversidade e ainda temos áreas muito sub representadas.

Valor: Hoje está tudo muito concentrado na Amazônia?

Pires: O Cerrado, por exemplo, é um bioma que tem poucas unidades de conservação federais. Caatinga, do mesmo jeito. Pantanal, do mesmo jeito. Então, tirando a Amazônia, que significa 60% do território nacional, os demais biomas são subrepresentados.

Valor: Expandir o número de unidades, hoje em 335, será uma das prioridades da sua gestão?

Pires: Uma das prioridades que a gente assumiu frente ao plano de combate ao desmatamento na Amazônia e também nos demais biomas é ampliar o número de áreas protegidas. Outra prioridade é o seguinte: olha, o desmatamento cresceu muito, mais que duplicou, dentro das unidades de conservação da Amazônia. É roubo de madeira, é desmatamento puro e simples. Então, essa é a segunda prioridade. A terceira é o seguinte: as reservas extrativistas precisam ser fortalecidas no seu papel de garantir condições socioeconômicas para a sobrevivência das famílias extrativistas. Essa é uma coisa que a própria ministra pediu para olharmos com cuidado.

Valor: Sua posse foi marcada por discursos críticos ao esvaziamento do MMA e do Ministério dos Povos Indígenas. Como esse movimento esbarra no processo de retomada das políticas ambientais?

Pires: Eu acho que o primeiro passo é esse. A gente está tentando, está trazendo o instituto para cumprir as suas atribuições. É exclusiva, seja na área do licenciamento, seja na área da proteção. Então, eu acredito que a retomada já está em curso. A quantidade de operações de fiscalização que já foram feitas e que não eram realizadas antes - tudo bem, teve uma questão de pandemia. Então, no que se refere a desmatamento nas UCs, há inúmeras operações em curso, que vêm acontecendo desde janeiro. No que se refere a licenciamento, a gente também está retomando as nossas atribuições e trabalhando junto com o Ministério do Meio Ambiente. Evidentemente que essas mudanças que ocorreram na medida provisória repercutem na pasta do Meio Ambiente e, indiretamente, no instituto. Mas estamos trabalhando, vamos continuar fazendo aquilo que é nossa obrigação. Nós vamos propor a criação de novas unidades.

Valor: O senhor tem ideia de quantas propostas de novas UCs serão encaminhadas?

Pires: Para você ter ideia, nós temos em torno de 300 pedidos. Evidente que não vamos encaminhá-las de uma vez. Muitas, inclusive, estão em fases diferentes de tramitação. Nossa prioridade, no momento, é dar sequência àquelas que estavam prontas até 2018 e foram paralisadas.

Valor: Houve criação de unidades de conservação durante o governo Jair Bolsonaro?

Pires: Não. O que houve foi apoio para alterar limite, a menor, das unidades já criadas.

Valor: Em que pé está o encaminhamento dessas nove unidades?

Pires: Estamos fazendo o detalhamento dessas propostas para encaminhar ao Ministério do Meio Ambiente para as devidas tratativas dentro do governo até chegar ao presidente da República.

Valor: Há nesse grupo propostas para incrementar a proteção à terra indígena Yanomami?

Pires: Se essas unidades tivessem sido criadas, muito provavelmente a gravidade que nós percebemos hoje na terra indígena Yanomami não seria como vimos agora. As terras indígenas e as unidades de conservação fazendo esse cinturão, isso cria uma proteção. O que aconteceu? Os indígenas ficaram totalmente à mercê do tráfico e do garimpo. Fossem áreas administradas pelo ICMBio, haveria ali uma barreira natural, com fiscais trabalhando, acompanhando, inclusive junto com as lideranças indígenas.

Valor: É correta a crítica de que o ICMBio deixou de se dedicar também ao desenvolvimento e se concentra apenas na preservação?

Pires: Chegamos aqui com a atribuição de recuperar o espírito, de recuperar o propósito original que levou à criação do instituto. E aí, é importante lembrar o seguinte, não é à toa que se chama Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Mas, ao levar esse nome, a decisão era de que é um instituto que olha para a conservação da biodiversidade. Sem dúvida, proteção, mas olha também para o aspecto socioambiental, para as pessoas. Então, eu diria que o nosso papel é obedecer a lei e a lei é muito clara em dizer que o ICMBio é um órgão de proteção, mas é um órgão também de desenvolvimento sustentável das populações tradicionais e também um órgão de pesquisa.

Valor: O Supremo debateu recentemente a questão da Ferrogrão, ferrovia que atravessa o Parque Nacional do Jamanxim. Qual a sua posição sobre esse projeto?

Pires: O que a gente precisa avaliar é se essa obra vai trazer impactos para aquela unidade e se esses impactos são irreversíveis. Ou se é possível passar por mitigação. Aí você tem que avaliar se faz sentido destruir um patrimônio natural. O ICMBio, como é um órgão que está olhando para a conservação da biodiversidade, ele vai se manifestar tendo isso em vista, independentemente de qualquer empreendimento.

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