O potencial turístico de unidades de conservação no Brasil
Em 12 anos, visitas a áreas protegidas saltaram mais de 300%, mas falta de infraestrutura ainda afasta turistas. Para especialistas, concessões à iniciativa privada são bem-vindas, desde que mantida autonomia do ICMBio.
Em 12 anos, o número de visitantes nos parques e unidades de conservação federais brasileiros cresceu 327%, passando de cerca de 2,9 milhões em 2006, para 12,4 milhões no ano passado. Apesar do potencial de desenvolvimento do turismo sustentável - capaz de gerar renda a comunidades do entorno dos parques e aumentar a consciência sobre preservação ambiental -, a dificuldade de acesso e deslocamento dentro das áreas protegidas e a falta de serviços básicos ainda afastam visitantes.
No total, o Brasil tem 787 mil quilômetros quadrados protegidos por 334 unidades de conservação federais, que incluem parques e florestas nacionais, reservas extrativistas e áreas de proteção ambiental, entre outras categorias. Trata-se de uma área equivalente a cerca de 9% do território brasileiro e pouco menor do que a soma dos territórios de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foi criado em 2007 com a finalidade de gerenciar as unidades de conservação federais. Por dois anos consecutivos, estudos feitos pelo pesquisador e servidor do ICMBio Thiago Beraldo concluíram que a cada R$ 1 investido no funcionamento do órgão, considerando salários, manutenção e operações, R$ 7 retornam em benefícios econômicos para as cidades que abrigam as áreas de preservação.
Em 2017, por exemplo, os visitantes gastaram cerca de R$ 2 bilhões em hospedagem, alimentação e no comércio dos municípios de acesso às unidades. O valor corresponde a quase quatro vezes o total de despesas do ICMBio naquele ano, quando foram gastos R$ 587 milhões, conforme o Portal da Transparência, do governo federal.
Consciência sobre preservação ambiental
O aumento de público nas unidades de conservação é comemorado por profissionais do setor, por traduzir o crescente interesse da população por essas áreas. Parte do crescimento também se deve ao fato de que mais unidades, principalmente as menores, passaram a contabilizar o número de visitantes.
Quanto mais as pessoas conhecem, mais tendem a respeitar essas áreas, afirmou à DW Brasil o biólogo americano Thomas Lovejoy, que estuda a Amazônia desde a década de 1960.
"[As unidades de conservação] tornam-se, então, algo que as pessoas reconhecem e entendem. Pelo menos até certo ponto elas ficam mais dispostas e interessadas em abraçá-las", considera.
A bióloga Angela Kuczach, diretora executiva da Rede Pró-Unidades de Conservação (Pró-UC), formada por entidades de defesa do meio ambiente, ressalta que o crescimento da visitação nas unidades de conservação federais ainda é limitado pela falta de infraestrutura, rede hoteleira e transporte.
"O parque é o grande chamariz, mas se você chega à região e ela não oferece condições de se hospedar e ter serviços, o turista não volta", pontua.
Envolvimento de comunidades
Beraldo, do ICMBio, considera que envolver a comunidade do entorno de unidades de conservação amplia a consciência sobre a importância da preservação ambiental, porque os moradores percebem que o turismo pode ser mais rentável do que a exploração de recursos naturais.
Ele cita como exemplo a redução do furto de madeira e da ação de caçadores ilegais, afugentados pelo movimento de visitantes, como ocorreu na Floresta Nacional de Brasília.
"Era uma unidade violenta. A gente fez um trabalho com o Exército. Hoje não tem nenhuma reclamação de roubo lá dentro. Na abertura das trilhas, a gente já encontrou armadilhas de caçadores, e, com o aumento do uso turístico, não tem mais", afirma.
Para André Cunha, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (UnB), "quando as comunidades participam, ganham-se aliados na conservação". "O turismo faz a diferença nessas áreas", diz.
Concessão de unidades
As dez primeiros colocadas no ranking das unidades de conservação mais procuradas em 2018 receberam, juntas, 76,5% do total de visitantes. Muitas delas são áreas turísticas já consagradas, como o Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde fica o Cristo Redentor. A unidade recebeu 2,65 milhões de turistas no ano passado.
Em segundo lugar, está o Parque Nacional do Iguaçu, por onde passaram 1,89 milhão de pessoas em 2018. Juntas, as duas áreas mais visitadas receberam mais de um terço dos turistas das unidades de conservação federais. Elas são também as áreas com a melhor infraestrutura de acesso, circulação interna e rede de serviços próximos.
Ambas as unidades, ao lado dos Parques Nacionais de Fernando de Noronha, da Serra dos Órgãos (RJ), do Pau Brasil (BA) e de Itatiaia (RJ e MG), têm em comum o fato de serem concessionadas.
No início do ano, o presidente Jair Bolsonaro disse que pretende rever o modelo de gestão das unidades de conservação, hoje a cargo do ICMBio, e acelerar o processo de concessão à iniciativa privada a fim de fortalecer o turismo.
Os benefício das concessões são consenso entre ambientalistas e especialistas do setor, que ressalvam no entanto, que a iniciativa privada deve focar apenas nos serviços de apoio ao turista - como alimentação, gestão das atividades de visitação e infraestrutura interna -, reservando ao ICMBio as funções de fiscalização e manejo das áreas.
Além de estimular a atividade econômica nas comunidades do entorno, as concessões ajudariam a liberar os técnicos para se concentrarem em ações de fiscalização e preservação da fauna e flora, consideram especialistas.
No total, 20 unidades são citadas pelo governo Bolsonaro como potenciais para serem concessionadas. Há mais de um mês, a DW Brasil vem solicitando entrevistas com autoridades do ICMBio e do Ministério do Meio Ambiente, mas os pedidos não foram atendidos.
Na semana passada, o ICMBio abriu consulta pública para incluir sugestões ao edital de concessão por 30 anos de mais dois parques nacionais, Aparados da Serra e Serra Geral, no Rio Grande do Sul.
Um ponto de preocupação de ambientalistas é a possibilidade de redução das áreas de aproximadamente 60 unidades de conservação, cujos territórios tenham estradas federais, ferrovias, portos ou aeroportos. O Ministério da Infraestrutura solicitou ao ICMBio um estudo para rever essas áreas. Consultada pela DW, a pasta afirmou que o mapeamento identificou uma sobreposição das unidades de conservação a áreas construídas.
Conforme o ministério, haverá apenas readequação na faixa de domínio das vias para evitar conflitos jurídicos futuros, mas alguns casos podem requerer mudanças na legislação.
"A proposta faz apenas um ajuste legal, o que não significa que haverá redução, na prática, da faixa que já existe. Para os projetos em que não seja possível compatibilizar a infraestrutura com os objetivos da unidade de conservação, deverá ser elaborado projeto de lei", disse em nota a pasta.
A definição ainda depende das análises do ICMBio. O Ministério da Infraestrutura argumenta ainda que as melhorias viárias no acesso às unidades de conservação tendem a contribuir para o aumento da visitação.
Boas práticas pelo mundo
Em países como Estados Unidos e Alemanha, as concessões, quando existem, ficam restritas ao atendimento ao visitante, enquanto preservação e gestão ficam a cargo de órgãos públicos.
Um dos pioneiros no estímulo à visitação de áreas de preservação, os Estados Unidos mantêm desde 1919 o Serviço Nacional de Parques. O primeiro espaço criado foi o Yellowstone, no noroeste do país, em 1872. Hoje são mais de 400 unidades federais com visitação, que correspondem a 3,5% do território americano.
A gestão é feita por pelo governo, e há parceiros privados em mais de 120 locais, focados em oferecer alimentação, alojamento, transporte, lojas de souvenirs e outros serviços de apoio à visitação. O órgão federal conta com verbas vindas de doações anuais e venda de ingressos. Apenas no ano passado, 318 milhões de pessoas passaram pelos parques nacionais dos Estados Unidos.
Já na Alemanha, os serviços nos 16 parques nacionais, que recebem cerca de 50 milhões de pessoas por ano, são essencialmente mantidos pelo governo, afirmou à DW Volker Scherfose, chefe do Departamento de Áreas Protegidas da Agência Federal para a Conservação da Natureza (Bundesamt für Naturschutz).
A presença de terceirizados nas unidades costuma ser restrita a guias. No Parque Nacional Jasmund - que fica no norte do país e abriga uma floresta tombada como patrimônio natural mundial pela Unesco -, há também serviços de suporte ao turista feitos por uma empresa.
https://www.dw.com/pt-br/o-potencial-tur%C3%ADstico-de-unidades-de-conserva%C3%A7%C3%A3o-no-brasil/a-50391252
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