Políticas Ambientais, v.2, n.9, p. 3-4 - 31/12/1995
A Mata Atlântica em debate
Reunião da Câmara Técnica propicia avanços importantes
João Paulo Capobianco
Integrante da Rede Mata Atlântica e secretário-executivo do Instituto Socioambiental
Na última reunião do Conama No Ministro do Meio Ambiente, Gustavo Krause, surpreendeu os presentes com o anúncio de um anteprojeto de lei para a Mata Atlântica que, se aprovado pelo Congresso Nacional, modificará substancialmente a atual legislação em vigor. Elaborado pelo Ibama, o anteprojeto é uma resposta às pressões contra o decreto 750/93 oriundas de políticos, madeireiros e fazendeiros de Santa Catarina principalmente, sob a liderança do deputado federal Paulo Roberto Bomhausen (PFL-SC), filho do presidente do PFL, ex-senador Jorge Konder Bornhausen.
A principal mudança é quanto à área de abrangência da Mata Atlântica. O Decreto 750 se baseia na definição aprovada pelo Conama em abril de 1992 que, em seu artigo 34, colocou sob proteção todas as formações florestais que originalmente formavam uma única cobertura contínua, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, adentrando vários quilômetros nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O anteprojeto de lei que o Ibama preparou, à revelia do Conama, quer restringir a proteção para a floresta ombrófila densa (que recobre as serras do Mar e da Mantiqueira e planícies costeiras do Nordeste).
Afirmando que sua iniciativa busca apenas resolver uma questão técnica, o que o governo federal pretende, na verdade, é reduzir de 1,1 milhões para 260 mil quilômetros quadrados a região sob proteção legal, excluindo todas as formações florestais interioranas das regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Com isso, ficariam liberadas para corte as florestas ombrófilas mistas, também conhecidas como matas de araucárias, onde a atividade madeireira é intensa nos estados de Santa Catarina e Paraná, e as florestas estacionais semideciduais, localizadas em áreas de expansão dos grandes projetos agropecuários.
Protestos
Desde que a proposta foi apresentada, uma onda de protestos vem crescendo em todo o país. Algumas matérias veiculadas pela imprensa denunciaram a gravidade do fato e diversas personalidades da comunidade ambientalista e acadêmica se manifestaram formalmente contra a proposta do Ibama. Na reunião do Conama em que Krause anunciou a existência do anteprojeto e que ele seria discutido em três audiências públicas a serem organizadas pelo Ibama, vários conselheiros manifestaram profundas preocupações com o fato e membros da Câmara Técnica Temporária para Assuntos da Mata Atlântica assinaram solicitação formal para sua imediata convocação.
Após um período de pressões intensas sobre o Ibama, que secretaria o Conama, a Câmara Técnica finalmente foi convocada e se reuniu no dia 4 de agosto. Foi uma reunião tensa, que mobilizou vários funcionários do Ibama, do Ministério do Meio Ambiente e a maioria da coordenação da Rede de ONGs da Mata Atlântica. Ao final, a avaliação da coordenação da Rede é a de que a reunião propiciou avanços importantes, que podem recolocar no rumo certo as discussões iniciadas de forma equivocada pelo governo federal.
Primeiro porque a Câmara Técnica não cometerá o erro de discutir apenas a proposta do Ibama. Foi definido que ela discutirá a questão legal da Mata Atlântica de forma ampla, considerando o PL 3.285 sobre o assunto que tramita na Câmara desde 1992, o Decreto 750, os resultados das audiências públicas e outras propostas que venham a ser apresentadas. Com isso, eliminou-se a possibilidade de a proposta do Ibama condicionar os debates.
Segundo porque foram aprovadas recomendações que, se acatadas, impedem o governo de tentar utilizar as audiências públicas como forma de obter apoio político para a flexibilização da legislação atual. São elas: 1) a Câmara participará da coordenação, definição de metodologia e elaboração do cronograma das audiências públicas; 2) as audiências não serão apenas para discutir a questão legal mas, também, a situação concreta das formações vegetais específicas de cada estado; e, 3) as audiências ocorrerão em todos os estados inseridos no domínio da Mata Atlântica (na definição ampla aprovada pelo Conama), que se dispuserem a ajudar na sua realização.
Resta saber se o ministro Krause e o presidente do Ibama, Raul Jungmann, acatarão as recomendações da Câmara Técnica, aprovadas por unanimidade por todos os presentes, inclusive por seus representantes.
Queda de braço
A controvérsia entre o Ibama e os ambientalistas em torno do decreto 750/93, que dispõe sobre uso e preservação da Mata Atlântica, vem se arrastando desde o início deste ano. Em fevereiro, a então presidente do Instituto, Nilde Lago Pinheiro, enviou circular para as superintendências estaduais recomendando que fossem seguidas às orientações do código florestal. Tal atitude foi repudiada pelos ambientalistas, que em março lançaram a Campanha Nacional de apoio ao decreto da Mata Atlântica, com divulgação através da imprensa. A revogação da polêmica portaria foi uma das primeiras medidas tornadas por Raul Jungmann, ao assumir a presidência do Ibama em março.
O decreto em questão dispõe sobre o corte, exploração e supressão de vegetação primária ou nos estágios avançados e médios de regeneração da Mata Atlântica e foi concebido depois de uma ampla discussão e articulação entre versos atores sociais, tendo inclusive a participação do próprio Ibama.
Proposto no Conama e assinado pelo então presidente Itamar Franco, em fevereiro de 1993, este decreto amplia os limites considerados corno áreas de proteção pelo código florestal, protegendo não apenas os 8% que sobraram da cobertura original, mas também áreas no entorno desta vegetação, necessárias para garantir os processos de regeneração da mata.
Já o anteprojeto de lei apresentado no final junho pelo ministro do Meio Ambiente, Gustavo Krause, na última reunião do Conama, regulamenta o uso e exploração da Mata Atlântica e dos demais ecossistemas do país, propondo considerar os limites adotados pelo IBGE com base na classificação de vegetação, o que exclui das áreas de proteção todas as formações florestais interioranas, reduzindo a área da Mata Atlântica de 1,1 milhão de km2. para 260 mil km 2.
Com isso, a polemica e a mesma queda de braço entre o Ibama e os ambientalistas parece ir para o segundo round.
Investigação no Planafloro
Quarenta e cinco dias depois de terem solicitado ao Painel de Inspeção do Banco Mundial uma investigação sobre o projeto Planafloro, implementado no estado de Rondônia, o Fórum das ONGs e Movimentos Sociais que Atuam em Rondônia e o Programa Amazônia de Amigos da Terra divulgaram, no final de julho, uma primeira avaliação dos desdobramentos mais recentes, com a finalidade de manter atualizados os parceiros, observadores e operadores da informação.
1. O Banco Mundial encaminhou, em 19 de julho, suas observações ao Painel, mas as ONGs que apresentaram o pedido de inspeção não tiveram acesso a este documento.
2. Em 28 de junho de 1995, após a apresentação do pedido de inspeção, foi finalmente assinado o convênio entre o Incra e o governo estadual, o que constituía uma condição de efetividade do empréstimo e cuja prolongada falta estava entre as causas de grave violação dos acordos contratuais e de prejuízos para os direitos e interesses representados pelas entidades que assinaram o pedido de inspeção. Este convênio, após uma primeira análise, apresenta várias limitações no que diz respeito à integração do Incra em um novo modelo de desenvolvimento regional, mas constitui um primeiro importante passo para uma implementação mais correta do projeto.
3. Em 14 de julho, após anos de atrasos, foram finalmente criadas três importantes reservas extrativistas, cuja área total é de aproximadamente 469.070 hectares. Trata-se das reservas de Corralinho, Pedra Negra e Pacaas Novos. De acordo com fontes do governo de Rondônia, espera-se a criação de mais três reservas.
4. Outros avanços são esperados na área social, com a implantação dos Projetos Inovadores, como início do processo de descentralização das ações do Planafloro. Inicialmente serão financiados 30 projetos de iniciativas comunitárias, nas áreas de saúde e educação rural, totalizando um montante de 900 mil reais.
5. Não foram registrados avanços na área indígena, onde continuam os entraves burocráticos e institucionais para a implantação do subcomponente.
Parece haver uma tendência, por parte do Banco Mundial, de efetivar o cumprimento de algumas cláusulas contratuais, objetivos do projeto e suas próprias políticas. Isto reforça a necessidade de uma investigação, hoje ainda mais necessária, para desvelar as razões que levaram a paralisar, durante anos, aquelas ações que estão começando a ser tomadas só agora. Sem dúvida, isto é uma condição para a retomada do projeto de forma mais correta. (extraído da confen:'lncia ax.brasil do A1terNex)
Políticas Ambientais, v 2, n. 9), set-dez 1995, p. 3-4
Mata Atlântica:Políticas Públicas
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