Trilhas inteligentes aprendem com os erros dos outros
A Trilha Transcarioca foi concebida, como projeto, na Secretaria de Meio Ambiente do Município do Rio de Janeiro (SMAC). Nos primórdios ela já vinha inserida em um projeto maior, então denominado Rede Carioca de Trilhas. Este último acabou crescendo, ganhou musculatura, e saiu da casca Rio de Janeiro. Ao se agregar forças e conhecimento de gente de trilha do país inteiro, ele ganhou a forma de uma Rede Brasileira de Trilhas, que hoje é um projeto institucional do governo brasileiro em parceria com a Sociedade Civil.
Desde esses primórdios, a REDE e a Trilha Transcarioca tiveram uma forte pegada internacional. O objetivo sempre foi aprender o máximo com os erros de experiências mais antigas e consolidadas e, com isso, evitar armadilhas e falhas já conhecidas em outros países, montando assim uma REDE moderna de trilhas de longo curso, que possa ganhar forma mais rápido que suas predecessoras em outros países mas que, também, ao incorporar o que há de melhor em cada lugar do mundo, passe a ser referência internacional no tema.
Com esse objetivo, mais de 50 trilhas mundo afora foram visitadas por pessoas envolvidas com a implantação da Rede Brasileira de Trilhas. Para citar apenas algumas visitas técnicas, foram realizadas viagens de aprendizado à North Country Trail, Pacific Crest Trail, Appalachian Trail, Buckeye Trail, Florida Trail, Arizona Trail, John Muir Trail, San Francisco Bay Area Ridge Trail e Tahoe Rim Trail (Estados Unidos), Sendero de Chile (Chile); Huella Andina (Argentina); Trilha Inca e Trilha Salcantay (Peru), Waitukubili Trail (Dominica); International Appalachian Trail, Bruce Trail, la Grande Traversée e PanAm Path (Canadá); Hoerikwaggo Trail, Tsitsikama Trail, Otter Trail e Whale Trail (África do Sul); Turaco Trail (Zimbábue); GRR1 e GRR2 (Reunião); GR (Mayote); Israel Trail (Israel); Lebanon Mountain Trail (Líbano), Besparmak trail (Chipre); Rota Vicentina e GR da Serra da Estrela (Portugal); GR 13 (França), West Highland Way (Escócia); Wicklow Way(Irlanda); Pennine Way e Hadrian Wall (Inglaterra), Taff Trail (Gales); Via Alpina (Eslovênia); Trilha Peaks of Balkans (Albânia e Montenegro); Laugavegur Trail (Islândia); Trilhas Europeias E2, E3, E4, e E9; Great Baikal Trail (Rússia asiática); Jeju Ollé Trail (Coreia); Overland Track, Great North Walk, Habour to Hawksville Trail, Larapinta Trail, Heysen Trail, Cape to Cape Trail, Myalls to Tops, Fraser Island Great Walk, Australian Alps Walking Track e Bibbulmun Track (Austrália).
Graças a essas viagens e troca de informações, grande cabedal de conhecimento internacional foi acumulado e, por isso, a Rede Brasileira de Trilhas é hoje o que há de conceitualmente mais avançado no mundo quando assunto é caminhadas delongo curso.
Para exemplificar alguns dos aprendizados, dos Estados Unidos aproveitamos as técnicas de mobilização cidadã, trazendo a sociedade civil organizada para sinalizar, manejar e administrar em conjunto com entidades de governo as trilhas brasileiras. Também dos EUA, mais precisamente do National Trails Act, tiramos as bases para criar a institucionalização legal da REDE, bem como de sua estrutura de governança.
A África do Sul e seu National Hiking Way System, nos inspiraram com uso das pegadas como método de sinalização que empresta à demarcação dos caminhos um toque regional.
Da Europa, aprendemos as estratégias de geração de emprego e renda por meio do pertencimento regional. Graças aos europeus, as trilhas da REDE sempre podem ser caminhadas em no máximo trinta dias, ou seja, cabem em um perídio de férias. A essas trilhas damos o nome de trilhas de longo curso regionais. A exemplo da Trilha Oiapoque x Chuí, também teremos, trilhas nacionais parecidas com a Appalachian Trail e a Pacific Crest Trail, com mais de 3.000 quilômetros de extensão. A diferença é que essas trilhas serão o resultado da soma de várias trilhas regionais sucessivas, que, entretanto, sempre seguem o mesmo padrão de sinalização.
Nesse sentido, Estados Unidos e Europa estão hoje tentando padronizar suas respectivas sinalizações para evitar a poluição visual de várias sinalizações na mesma trilha. A Rede Brasileira de Trilhas não vai repetir o erro dos outros. Ela já nasceu com uma sinalização padronizada que já está até oficializada por manual do ICMBio.
Da Austrália, do Canadá, da Europa, da África do Sul e dos Estados Unidos tiramos os melhores exemplos de planejamento de trilhas em sistema de rede, de modo que uma iniciativa impulsione a outra, fazendo com que todas funcionem de maneira coletiva em prol de um bem comum.
Do Peru e da Europa aprendemos a planejar trilhas de longo curso que juntam recreação em contato com a natureza com o resgate de valores históricos e culturais. Graças a esse aprendizado, as trilhas da Rede revivem rotas históricas como a Missão Cruls e a Rota dos Tropeiros, passam por ruínas e prédios antigos e, quando necessário, fazem desvios para levar nossos caminhantes a museus e centros de visitantes.
Com a Europa, com a International Appalachian Trail e com a Grande Rota Inca (Qapac Ñan) aprendemos que é possível conectar trilhas internacionalmente. Por isso nossa Rede contempla possibilidades de ligação com a Guiana Francesa, com a Argentina, com o Uruguai e com o Paraguai, com quem estamos conversando para implementarmos juntos uma versão moderna do Peabiru.
Já, a conservação como parte integrante do planejamento de uma Trilha de Longo Curso foi pensada de forma pioneira no Brasil. A Trilha Transcarioca, primeira trilha de longo curso brasileira já nasceu assessorada pelo doutor em biologia Fernando Fernandez, com o objetivo de conectar o Parque Nacional da Tijuca ao Parque Estadual da Pedra Branca.
Por esse pioneirismo de juntar o que há de melhor do conhecimento mundial temos hoje no Brasil uma das iniciativas conceitualmente mais robustas no planeta quando o tema é trilhas de longo curso. Isso valeu à Rede Brasileira de Trilhas em seu curto espaço de vida o Prêmio Nacional de Turismo e o convite para liderar, no âmbito da UICN, o Grupo Mundial de Especialistas em Trilhas de Longo Curso.
Por fim, vale mencionar a Austrália, cuja trilha Bibbulmun foi uma das primeiras a cooperar conosco, ainda em 1998. Desse país, aproveitamos, entre outras coisas, o estudo que demonstrou ser a combinação das cores amarela e preta a que melhor se adequa à sinalização de trilhas, bem como a importância para o pertencimento regional de se utilizar algum ícone associado à sinalização.
Nesse sentido, dois acontecimentos no último mês de julho coroam a vocação internacional da Rede Brasileira de Trilhas. No início do mês, a World Trails Network aceitou como membros plenos a Trilha Transmantiqueira e a própria Rede Brasileira de Trilhas. Até então, a Trilha Transcarioca era a única trilha sul-americana a integrar esse seleto grupo de entidades gestoras de caminhadas de longa distância. Por fim, no último dia 29 de julho, também no âmbito da WTN, a Trilha Transcarioca e a Bibbulmun Track assinaram um acordo de irmanação resgatando, vinte anos depois, a primeira iniciativa de cooperação internacional que legou à REDE boa parte do conhecimento sobre o qual suas diretrizes se assentam hoje. Assim, finalmente as trilhas brasileiras começam a se integrar ás principais redes de Trilhas do Mundo.
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