Risco ambiental paira sobre leilão da ANP

O Globo, Economia, p. 35 - 24/09/2017
Risco ambiental paira sobre leilão da ANP
Dos 287 blocos da 14ª rodada, 177 têm sobreposição com áreas de proteção, o que dificultaria licenciamento

Ramona Ordoñeze e Bruno Rosa

Às vésperas de mais um leilão de petróleo, o risco ambiental surge como a maior preocupação para empresas e advogados. Dos 287 blocos que serão ofertados na 14ª rodada, na quarta-feira, 177 têm algum tipo de entrave ecológico. Há áreas que se sobrepõem a reservas ambientais e unidades de conservação; na Bacia do Parnaíba, no Piauí, há sítios arqueológicos, enquanto nas águas da Bacia de Campos foram observadas espécies de baleias ameaçadas de extinção. O levantamento foi feito pelo GLOBO com base nas informações do edital elaborado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
No mar, serão ofertados 110 blocos, distribuídos pelas bacias de Campos, Espírito Santo, Santos e Sergipe-Alagoas. Já em terra serão 177 blocos, nas bacias do Espírito Santo, Paraná, Parnaíba, Potiguar, Recôncavo e Sergipe-Alagoas. Segundo especialistas e fontes ouvidas pelo GLOBO, o governo espera arrecadar com o leilão entre R$ 1,69 bilhão - se todos os blocos forem arrematados sem ágio -e R$ 2 bilhões.
- Meu sentimento é que o resultado do leilão será apenas razoável. Se chegar aos R$ 2 bilhões, será muito bom. As empresas estão todas preocupadas com o Ibama. A expectativa é que a Petrobras não participe, pois não parece ser estratégico para ela. Acredito que as companhias de grande porte estão direcionando seus olhares para os leilões do pré-sal, que ocorrem em outubro - disse uma fonte que não quis ser identificada.
A preocupação das empresas se justifica: a francesa Total, por exemplo, teve o início de sua atividade exploratória em blocos no Foz do Amazonas, arrematados em 2013, negado pelo Ibama. O órgão fez novas exigências após a descoberta de corais na região. Advogados citam ainda decisões judiciais que proíbem o uso de fraturamento hidráulico (conhecido como fracking) nas bacias do Paraná e do Recôncavo.

QUESTÕES PODEM REDUZIR INTERESSE DE EMPRESAS
Thiago Almeida, especialista em Energia do Greenpeace, considera especialmente preocupante a possibilidade de haver exploração por fracking na Bacia terrestre do Recôncavo. Outras ONGs apontaram que o edital deixaria espaço para o uso do fraturamento hidráulico, no caso de ser confirmada a existência de petróleo e gás não convencional (o chamado shale gas).
- Além do Recôncavo, as bacias do Parnaíba e do Paraná têm reservas de petróleo ou gás não convencional. Nosso foco é investir em tecnologias do futuro e não em tecnologias do século XIX, no momento em que o mundo está em transição das energias fósseis para uma matriz limpa - afirmou Almeida, para quem o Brasil deveria investir em energia solar e eólica.
Até em bacias maduras como a de Campos, cuja exploração completa quatro décadas neste ano, há risco de afetar espécies em extinção: recentemente, foram registradas baleias na região. Em Sergipe-Alagoas, destacam os especialistas, a licença ambiental pode não ser concedida, já que na região há áreas de reprodução de tartarugas.
Giovani Loss, sócio do escritório Mattos Filho e especialista na área de óleo e gás, ressalta que, dos 287 blocos oferecidos, 97 (cerca de 33%) se encontram em bacias cujas áreas demarcadas foram alteradas a fim de evitar conflitos ambientais na fase pré-edital após avaliações preliminares dos órgãos governamentais de proteção ao meio ambiente. Para Loss, a mais problemática em termos ambientais é a bacia terrestre do Recôncavo, na Bahia, porque nela há blocos sobrepostos a áreas consideradas patrimônio histórico e cultural da Humanidade.
- Apesar dos pareceres positivos dos órgãos para a realização da rodada, seus relatórios apontaram ocorrências de espécies em extinção em todas as bacias - disse Loss. - Além disso, a demarcação das áreas em todas as bacias apontou sobreposição com unidades de conservação ambiental, o que poderia gerar restrições ou necessidade de estudos aprofundados para o licenciamento ambiental.
Ele acredita que as restrições ambientais vão pesar na decisão das petrolíferas, já que as dificuldades enfrentadas pela Total são sempre citadas nas conversas entre os empresários do setor:
- Com certeza as questões ambientais podem reduzir o interesse de algumas áreas, mas há empresas com mais ou com menos apetite pelo risco. O leilão vai ser bom, mas não maravilhoso.
Carlos Roberto Siqueira Castro, sócio do Siqueira Castro Advogados, argumenta que o governo precisa criar mecanismos de compensação para o caso de questões ambientais impedirem a exploração dos blocos arrematados nos leilões:
- O governo federal deveria encontrar uma forma para honrar seus compromissos licitatórios, pois é muito grave para uma empresa ficar à mercê de fatos aleatórios futuros. No caso da Total, o bloco foi arrematado em 2013, e os corais foram descobertos em 2016. É preciso criar mecanismos compensatórios inteligentes, pois isso traz insegurança jurídica para o investidor.
Em nota, a Total explicou que está avaliando o pedido do Ibama, de 29 de agosto, solicitando informações sobre a exploração dos blocos da Bacia da Foz do Amazonas. Segundo a empresa, o processo de licenciamento ambiental está em andamento.
- A questão ambiental é um problema sério, mas o investidor vai avaliar se vale a pena correr o risco e vai precificar isso no valor da oferta que for fazer. Não é diferente do que acontece no Golfo do México e no Mar do Norte - disse Siqueira Castro.
Para Alexandre Calmon, sócio do Vieira Rezende Advogados, as restrições ambientais nos blocos da 14ª rodada não são de grande magnitude. Ele não acredita que isso vá reduzir o apetite do investidor:
- São áreas onde, em sua maioria, já existe grande atividade exploratória.
Na Bacia do Espírito Santo, dos 26 blocos, todos encontram algum tipo de entrave ambiental por estarem em áreas de conservação da biodiversidade. Além disso, todos os 19 campos estão em áreas da aplicação da Lei da Mata Atlântica, que prevê restrições a fim de evitar a redução da vegetação nativa. Há ainda blocos próximos à Área de Proteção Ambiental dos Abrolhos, onde vazamentos causariam danos irreparáveis ao santuário ecológico.
Na Bacia de Sergipe-Alagoas, todos os 46 blocos em terra também estão sob a Lei da Mata Atlântica. Na parte marítima, a presença de tartarugasmarinhas é alvo já de disputas.
- Tentou-se tirar áreas marítimas de Sergipe-Alagoas do leilão, por ser algo de difícil recuperação. Cinco blocos em mar estão a menos de 50 quilômetros de áreas protegidas de marinha e de unidades de conservação - disse Leandra Soares, advogada ambientalista da Soares Advogados.
Na Bacia do Parnaíba, as áreas se sobrepõem ao Parque Estadual do Mirador. Além disso, o processo de licenciamento ambiental terá de considerar aspectos relativos a sítios arqueológicos e manifestações culturais. Dos 24 blocos ofertados, 14 têm entraves ambientais. Em Pelotas, há o risco de vazamentos atingirem o Uruguai. Na Bacia do Paraná, todos os 11 blocos estão em áreas protegidas. Em Potigar, teme-se a contaminação de aquíferos.

ANP: 'NÃO HÁ QUE SE FALAR EM RESTRIÇÕES'
Apesar da preocupação de ambientalistas e empresários, a ANP garantiu não haver motivos. Segundo a agência, as exigências contidas nos pareceres ambientais apresentados na 14ª rodada "são usuais." O órgão afirma que nos estudos preliminares foram atendidas todas as propostas de exclusão ou adequação de áreas, encaminhadas pelos órgãos estaduais de meio ambiente e pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (GTPEG), formado por Ibama, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério de Meio Ambiente e Agência Nacional de Águas (ANA).
"Portanto, não há que se falar em restrições ambientais para as áreas que serão ofertadas no leilão. Trata-se apenas da identificação, por parte dos órgãos ambientais, de elementos que nortearão o nível de exigência dos futuros processos de licenciamento ambiental que irão impor condicionantes específicas, em acordo com a sensibilidade ambiental da área."

O Globo, 24/09/2017, Economia, p. 35

https://oglobo.globo.com/economia/risco-ambiental-preocupacao-para-empresas-no-leilao-da-anp-21863957
Energia:Petróleo

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